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Amigos nos Negócios e na Enfermidade

  • Foto do escritor: Crônicas
    Crônicas
  • 6 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de fev.



Duas mulheres casadas e amigas se abraçam chorando num hospital após descobrirem que seus maridos estão com AIDS
Viúvas da AIDS

Matthias Zavhery


"Uma mentira estraga mil verdades." - Provérbio africano


As pessoas conseguem sustentar a soberba mesmo sendo hipócritas. Entretanto, às vezes são traídas pelo próprio corpo que tem suas leis próprias e é incapaz de perdoar.

Eram pessoas do mais alto respeito na sociedade. Dois amigos de longa data e também sócios e empresários muito bem sucedidos do ramo imobiliário. Duarthe e Sylveira assim todos os conheciam na cidade. As famílias tinham parceria em tudo. As esposas muito amigas e companheiras nos círculos sociais, no clube e nas atividades sociais da Igreja. Estavam sempre nas colunas sociais do jornal. Os filhos frequentavam a mesma escola, a mesma academia e o mesmo curso de inglês. Padrinhos e compadres, Católicos fervorosos, chegaram a ser Ministro da Eucaristia. Aos domingos estavam todos impreterivelmente na missa das dezenove horas. O padre da paróquia era um assíduo frequentador da casa de ambas as famílias.

Num domingo de Páscoa estavam todos reunidos num farto almoço, como de costume entre as famílias, com a presença de avós, tios, primos e amigos importantes e influentes na cidade. Estava sendo servida a sobremesa pelos garçons contratados para o banquete. Uma deliciosa torta de nozes acompanhada de sorvete de creme. Sylveira estava num bate-papo com Duarthe e demais amigos quando, subitamente, não consegue conter um jato de vômito, caindo em seguida no chão em crise convulsiva. Inconsciente, com abalos e tremores incessantes e generalizados por todo corpo, fez com que um desespero generalizado tomasse conta do ambiente. A esposa começou a gritar e, imediatamente, Duarthe faz um enorme esforço, auxiliado pelos amigos, para suspender o pesado corpo de Sylveira e coloca-lo dentro do carro. Seguiram então em disparada para o Hospital. Foi tudo muito rápido. Os convidados e familiares ficaram visivelmente transtornados. A maioria seguiu em comboio também para o hospital e os demais, que permaneceram, foram aos poucos se retirando muito preocupados.

O médico da urgência iniciou rapidamente a medicação para conter a convulsão, que não havia cessado nem um instante sequer, não tendo nenhum êxito. Repetiu a dose, acrescentou outros medicamentos, repetiu tudo novamente e nenhuma resposta. Resolveu então transferi-lo para UTI onde foi induzido o coma quando finalmente as crises pararam. Sylveira teve que permanecer intubado respirando com auxílio de aparelhos.

O saguão do melhor hospital particular da cidade ficou lotado de pessoas que vinham do almoço e de gente importante da cidade que se solidarizava com a família . A notícia espalhou rápido.  Até o bispo e o prefeito apareceram por lá.

Os dias foram passando e Sylveira permanecia no mesmo quadro, pois qualquer tentativa de retirar o coma induzido fazia com que a convulsão retornasse. Neurologistas, Neurocirurgiões, Clínicos, Intensivistas, sempre os mais renomados, não conseguiam fechar um diagnóstico. Dezenove dias se passaram sem solução. O paciente, que contava quarenta e sete anos, era um homem que gozava de invejável saúde, corpo de atleta, em dia com seus exames, visitas preventivas anuais ao cardiologista, alimentação balanceada, praticante assíduo de Karatê e natação, além da regularidade na academia. Nenhuma pista até então para a causa daquele quadro. Foi quando um recém-formado plantonista do hospital percebeu, no exame de sangue, um leve aumento da taxa de sorologia para toxoplasmose, o que, até então, havia propositalmente passado desapercebido ou negligenciado pela equipe. O médico levantou a hipótese de neurotoxoplasmose que, em pacientes imunodeprimidos, poderia levar a convulsões daquela magnitude.

O ano era mil novecentos e noventa. Naquela época a mais provável causa daquela hipótese era a novíssima doença conhecida como SIDA, e que mais tarde passou a ser chamada de AIDS, que, até então, era transmitida por transfusão de sangue ou relação homossexual  entre homens promíscuos. Sylveira não se encaixava em nenhuma das condições. Isso era moralmente impensável para todos. Entretanto, o bom médico é como um bom detetive. O jovem doutor que levantou a hipótese foi repreendido impetuosamente pelo respeitadíssimo infectologista do hospital e amigo particular do paciente. Entretanto o médico não se intimidou e foi atrás da suspeita. Tudo muito complicado na época. As provas sorológicas eram de difícil acesso naquele tempo. Não tardou e o diagnóstico foi confirmado: AIDS.

Um misto de escândalo, vergonha, traição, mentira e promiscuidade veio à tona. Ninguém sabia de nada, muito menos a sua esposa, mas Sylveira era um frequentador das promíscuas orgias em  saunas masculinas e cliente de travestis que faziam ponto a noite na rodoviária. Tudo revelado por Duarthe, confidencialmente, ao médico responsável pelo CTI. O infectologista deixou o caso, pois ficou muito abalado com a notícia da doença do grande amigo.

Sylveira não mais acordou do coma e morreu naquele mesmo hospital dois meses depois de internado. Passado exatamente um ano seu amigo, e sócio, apresentou a mesma doença que, também, o levou à morte. Duarthe era um fiel companheiro das orgias. Logo após a morte de Duarte souberam que o infectologista havia emagrecido muito e que tinha sido afastado do trabalho. Passados uns meses souberam que foi um "câncer" a causa da morte. O Padre foi transferido para uma paróquia do nordeste. A última notícia que tiveram dele foi que tinha morrido de "tão magro que estava". Falaram que foi "anemia".

E, da mesma forma, milhares de vítimas foram feitas mundo afora. Famílias destruídas, mulheres inocentes contaminadas e bebês infectados .

Uma tragédia que não cessou por décadas.


 
 
 

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